Antes de tudo, é preciso entender que o cancelamento está direcionado aos influenciadores, que podem ser atores, advogados, políticos, religiosos, comerciantes, psicólogos, enfim, todos os profissionais que têm como extensão do seu trabalho as produções de conteúdos nas diversas plataformas de rede sociais. Portanto, o cancelamento vem de uma quebra da imagem pessoal construída por esses profissionais ao longo de seu trabalho como influenciador.
Motivos não faltam. Antigos pensamentos vêm se desconstruindo a dolorosos e lentos passos, e a internet, sobretudo as redes sociais, detém o poder de comunicação em massa que não se restringe às grandes marcas e profissionais, mas também a quem consome.
Quem não se lembra da influenciadora Gabriela Pugliesi, que em meio ao lockdown em razão da pandemia da Covid-19 fez uma festa em sua residência e foi cancelada pelos usuários das redes sociais? Na época, precisou desativar seu perfil nas redes e, por consequência, perdeu milhões em contratos publicitários que tinham a imagem da influenciadora e seu estilo de vida atrelados a seus produtos.
Recentemente, o médico Paulo Muzy, especializado em medicina esportiva, com mais de 7 milhões de seguidores no Instagram, foi cancelado após uma discussão no Twitter, outra rede social muito conhecida no Brasil e no mundo. Isso ocorreu após um seguidor compartilhar uma foto da esposa do médico com um outro homem, insinuando uma traição. O influenciador retrucou, e, após isso, usuários resgataram um vídeo com a participação do médico em um podcast falando que engravidou a esposa sem o consentimento dela. Na entrevista, ele relata que fez a esposa pensar que ele era estéril, o que acarretou um debate entre os usuários das redes sociais e o cancelamento do médico influenciador.
Atitudes ofensivas antes consideradas piadas, costumes antigos direcionados às mulheres já não são mais tolerados, bullying online vem sendo combatido em redes sociais. O mundo da internet surgiu como uma ferramenta de combate a essas pautas. E a arma utilizada é o temido cancelamento.
Conversei com a psicóloga Ana Silvia Sanseverino Rennó, a respeito do o cancelamento estar relacionado com a falta de verdade dos influenciadores na construção de uma persona, e como esse comportamento pode criar uma expectativa no consciente dos seguidores. Tal atitude poderia acarretar, a longo prazo, a quebra de imagem diante de algum posicionamento diferente do que foi construído ao longo do trabalho do influenciador. Confira abaixo:
Priscila Alves: O cancelamento tem a ver com a expectativa que se é criada sobre o outro? De quem é a culpa?
Dra. Ana Silvia: O cancelamento está atrelado ao julgamento. Com as mídias sociais, as pessoas estão mais expostas e quando mais expostas mais sujeitas a opiniões diferentes, valores, visão de mundo diferente. Não penso que há uma culpa na exposição, mas penso que dependendo do que é exposto será inevitável o julgamento.
Hoje em dia, ficou mais fácil “conhecer a vida alheia”, na verdade o que é postado é apenas um recorte da vida real. Os seguidores, na maioria das vezes, seguem pessoas a partir de uma identificação de imagem, de valor, de vida. Quando isso é quebrado, vem o cancelamento, ou seja, a expectativa não é atingida, quando há uma opinião, um comportamento que foge ao esperado.
Priscila Alves: Resposta cascata. Um escreve, o outro replica. Quem são os usuários que se deixam levar por respostas de outros? E por quê?
Dra. Ana Silvia: Os usuários que se deixam levar por esse posta e reposta geralmente são pessoas que em algum momento se identificaram com o conteúdo que foi postado e que quando esse conteúdo foge do “padrão” sentem-se incomodados ao ponto de discordarem e cancelarem quem postou.
Segundo um Relatório Global de Inteligência de Mídia da eMarketer, divulgado em agosto de 2022, os usuários conectados à internet gastam mais de 3 horas por dia em redes sociais e aplicativos de mensagens e entre o público de 16 a 24 anos, 57,2% seguem algum perfil de influenciador nas redes sociais.
Além de conversar com a doutora Rennó, também questionei alguns jovens no quadro “CHEGA MAIS” para saber o que eles têm a dizer sobre a cultura do cancelamento. Confira no vídeo abaixo:
Priscila Alves, da Rede Século 21